22/04/2009

Vigia

Na torre contorcem-se as peças metálicas porque é um dia de vento. Maus dias, os dias de vento.

Aqui não são bem-vindos os ventos fortes que atiçam incêndios ou reacendem braseiros. Aqui espera-se que as notícias não cheguem, que o telefone não toque. A única voz que se quer escutar é a da confirmação da rendição, passadas que estejam as 8 horas do turno.

- Nem fumo nem fogo, não hoje, não no meu turno, mas se vier que não me deixe enganar - pensa o noviço. O seu parceiro de vigia anda nisto há meia vida e sabe bem o que é ser noviço em torre de vigia de incêndios, também já foi enganado pelas luzes que ponteiam as matas e pelos ventos que levantam poeiras e até pelos fumos dos churrascos dos leitões, quando vigiava na Mealhada.

Quando chegou a esta vida veio pela necessidade, para ter um parco mas seguro rendimento, agora o apelo que sente vem do amor pela mata, pelo seu concelho, pelos outros mais de seiscentos voluntários e pelos homens que, nos quartéis dia e noite, se endurecem para fazer frente aos infernos na terra; fá-lo pelo amor à vida e é respeitado por isso.

Aqui os mais velhos são os mais válidos: são mais atentos, mais certeiros; são mais conhecedores dos segredos do fumo, das suas cores e movimentos e do que isso significa. Eles lêem o fumo, lêem as folhas da floresta feitas em fumo. São eles os primeiros a dizer: - Liga à próxima torre, vamos triangular! São eles que, amassados pelo cansaço, se deixam ficar até ver o fim da queima.

Nesta atalaia as janelas de vidro são móveis em todo o perímetro e o conforto existe mas não está nos livros, nem nas televisões, nem nos computadores portáveis, que não entram nesta casa, está no isolamento térmico, e na segurança da torre e na porta contra-intrusão. É um conforto para que os olhos – olhos enormes e atentos - possam vigiar.

1 comentário:

Gelo disse...

Está alguma coisa a arder?

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